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PARECER Nº 02139/2024/USPGE/INTERMAT

Cuiabá/MT, 21 de maio de 2024

Processo nº INTERMAT-PRO-2022/17844

Interessado: CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DE FELIZ NATAL

Assunto: AVERBAÇÃO DE GEORREFERENCIAMENTO - PLOTAGEM DE TÍTULO NA BASE CADASTRAL DO INTERMAT

Ementa: Plotagem de Título na Base Cadastral do Intermat. Nucleo Colonial RIO FERRO. Ação Cível Originária nº 79 perante o STF. Validade de título que não se encontra no acervo fundiário. Averbação de títulos judiciais, Decreto n. 1.469, de 14 de Dezembro de 2012.

I - Relatório

Trata-se o presente expediente de resposta à consulta jurídica da Gerência de Cadastro Fundiário para que esta Unidade Setorial da PGE emita parecer sobre a confirmação ou não da legitimidade de um título expedido pela Comissão de Planejamento de Produção (CPP) que ora se refere à certificação em cartório da matrícula nº 3.205, nos termos da Ação Cível Originária Nº 79, do Supremo Tribunal Federal, Ação movida contra o Estado de Mato Grosso e as colonizadoras, onde no volume 11, fls 149 a 182, contem a lista de nomes dos títulos emitidos no NÚCLEO COLONIAL RIO FERRO, incluindo o nome de YOSHITERU YAMASHITA e HIROAKI YAMASHITA (fls. 151), oriundos do Decreto nº 1250 de 15/02/1952, reservado a Empresa Colonizadora Rio Ferro LTDA.

A consulta jurídica acontece ante a dúvida de validade jurídica ou não do título que fora emitido para os Lotes 13-A-1, Quadra 01, requerido por Yoshiteru Yamashita, no Núcleo Colonial Rio Ferro, com área de 125,00 ha, de 26/12/1969 e para o Lote 13-A-2, Quadra 01, requerido por Hiroaki Yamashita, com área de 125,00 ha, de 20/08/1959, ambos os lotes  localizados no município de Feliz Natal.

Referidos Lotes não possuem registros nos Livros fundiários desta Autarquia, porém, conforme fora constatado pela área técnica consultante, os referidos lotes, que se referem ao imóvel atual de matrícula nº 3.205, foram registrados no Cartório do Segundo Serviço Notarial e Registral de Cuiabá, sob a Transcrição nº 11.582, Livro 3-N, fl.72 e Transcrição nº 10.679, Livro 3-M, fls.205.

Nessas Transcrições consta que fora emitido o título para este lote através da Comissão de Planejamento da Produção (CPP) e tal situação fora citada no bojo da Ação Cível Originária nº 79 que tramitou perante o Supremo Tribunal Federal e que ora é objeto de análise para verificação da validade ou não do título expedido.

Antes de adentrarmos propriamente no mérito da questão, necessário se faz registrar as seguintes ocorrências nestes autos:

Trataram-se inicialmente os presentes autos de requerimento inicial formulado pelo Cartório do 1º Oficio de Registro de Imóveis de Feliz Natal-MT por meio do oficio nº 240/2021 pelo qual noticiava pedidos de averbações dos georreferenciamentos c/c retificações registrais em razão das alterações das áreas dos imóveis das seguintes matrículas:

Matr. Antiga

Matr. Atual

126

3.205,

2.061

3.216

2.646

3.217 e 3218

2.064

3.219

Submetida a informação inicial para a área técnica desta Autarquia constatou-se a ausência de documentos fundamentais que permitisse a análise técnica correspondente.

Assim, em 22/08/22 e por meio do Despacho nº 20861/UNIJUR/INTERMAT o Cartório interessado fora informado por esta Autarquia que não seria possível proceder com a análise cadastral por ausência de documentos faltantes, sendo naquela ocasião advertido o Cartório para que abstivesse de averbar os georreferenciamentos anteriormente informados.

Em resposta à notificação, a Serventia informou que os atos já haviam sido averbados razão pela qual não haveria de se abster de pratica-los pois os procedimentos já haviam sido realizados e os protocolos encerrados, conforme narra o Oficio nº 233/2022, de 1º/09/2022, acompanhado das cópias das documentações comprobatórias atualizadas constantes às folhas 4/118 destes autos.

Em novo despacho dita documentação fora enviada para a área técnica a fim de procederem com o estudo técnico, analisando se as referidas certificações não poderiam estar inseridas em áreas consideradas como sendo terras devolutas, passivas de regularização fundiária, pertencentes ao Estado de Mato Grosso.

Por meio do Parecer nº 03676/2022/GRFRUR/INTERMAT juntado à folha 121, fora procedida a análise cadastral informando que a certificação apontada INCRA/SIGEF nº 26feac8c-3cbe-4b1f-87e6-f6852861f4fa (fls.14 à 16), FAZENDA VITORIA I, Matrícula nº 3.205, imóvel com 248,2301 hectares, INCIDIA TOTALMENTE EM ÁREA DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO, informando ainda que as demais Certificações NÃO incidiam em terras de interesse do Estado de Mato grosso, no seguinte sentido:

PARECER Nº 03676/2022/GRFRUR/INTERMAT Cuiabá/MT, 21 de novembro de 2022. Assunto: Análise Cadastral Ao (À) UNIDADE JURIDICA Considerando o DES-2022/29535 e analisando as certificações INCRA/SIGEF apresentadas tenho a informar a seguinte situação cadastral:

Certificação nº 26feac8c-3cbe-4b1f-87e6-f6852861f4fa (fls.14 à 16) INCIDE TOTALMENTE EM ÁREA DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO;

Certificação nº b2b6ac53-de74-4f33-86ce-c20981965f5d (fls.47 à 49) NÃO INCIDE EM TERRAS DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO;

Certificação nº 375504e6-5878-4a78-9180-239874ddd495 (fls.77 à 79) NÃO INCIDE EM TERRAS DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO;

Certificação nº 991a37ff-63d8-40ab-8784-400d2bc06345 (fls.101 à 103) NÃO INCIDE EM TERRAS DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO;

Certificação nº 6472016a-b10e-45ce-9308-83875dbf4b0f (fls.104 à 106) NÃO INCIDE EM TERRAS DE INTERESSE DO ESTADO DE MATO GROSSO;

Sobre referida incidência o Cartório fora novamente notificado inclusive para comunicar aos particulares interessados a fim de regularização.

À folha 122, por meio do Despacho nº 12738/2023/UNIJUR/INTERMAT, solicitou-se à área técnica para que fosse analisada a cadeia dominial da referida matrícula nº 3.205, culminando no Parecer de folha 127, informando que não constava no acervo fundiário desta Autarquia o titulo definitivo COLONIAL RIO FERRO - LOTE 13, o qual é indicado como confrontante na base cadastral do INTERMAT e mediante busca no Portal CEI ANOREG, não foi encontrada a matrícula nº 3.205 do Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos da Comarca de Feliz Natal/MT, sendo necessário a solicitação ao cartório da cadeia dominial completa da matricula.

Às folhas 128/129 solicitada a cadeia dominial ao cartório.

Às Folhas 133/135, Oficio nº 158/2023 do cartório informando que o título definitivo que deu origem à matrícula nº 3.205 foi originariamente registrado no 2º Serviço Notarial e Registral da 1ª Circunscrição Imobiliária da Comarca de Cuiabá/MT, sendo transferido posteriormente aos cartórios do 6º Oficio de Cuiabá e 1º Oficio de Sinop/MT para então ser transferido ao Cartório de Feliz Natal/MT. Apesar da informação, o Cartorio juntou a cadeia dominial das matrículas nº 3.205; 13.855 do 1º Oficio de Sinop; 17.344 e 17.345 do Cartório do 6º Oficio de Cuiabá, e das transcrições nº 11.582, fls 72, do Livro 3-N E 10.679, fls 205, do Livro nº 3-M, do 2º Serviço Notarial e Registral da 1ª Circunscrição Imobiliária da Comarca de Cuiabá/MT.

À folha 154, a análise Cadastral por meio do Parecer nº 3793/2023/GRFRUR/INTERMAT informando que a certificação referente à matricula nº 3.205 INCIDIA COMPLETAMENTE EM TERRAS DEVOLUTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO.

Às folhas 155/156 notificação ao cartório informando sobre a incidência em terras devolutas.

Às folhas 160/161 notificação expedida aos interessados mas equivocadamente fora remetida novamente pelo Setor de Protocolo para o Cartório de Feliz Natal.

À folha 162, despacho de sobrestamento do feito por 60 dias para aguardar resposta dos interessados.

À folha 166, despacho de ofício da Gerência de Cadastro Fundiário  informando que fora solicitada na Anoreg(CEI) a transcrição nº 10.679, citada à folha 143 e a Transcrição nº 11.582, citada à folha 147, ambas do CRI do 2º Oficio da Capital.

À folha 168 e 169, juntadas as cópias das Transcrições acima citadas.

À Folha 170, despacho da Gerência de Cadastro Fundiário para esta Unidade Setorial da PGE solicitando análise jurídica no sentido de confirmar ou não a legitimidade do titulo referente à certificação da matrícula nº 3.205, nos termos da Ação nº 79, no Supremo Tribunal Federal,  Ação Cível Originária movida contra o Estado de Mato Grosso e as colonizadoras, onde no volume 11, fls 149 a 182, contem a lista de nomes dos títulos emitidos no NUCLEO COLONIAL RIO FERRO, incluindo o nome de YOSHITERU YAMASHITA e HIROAKI YAMASHITA (fls. 151), oriundos do Decreto nº 1250 de 15/02/1952, reservado a Empresa Colonizadora Rio Ferro LTDA.

Eis o relatório.

II - DA ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Verifica-se assim que a questão central gira em torno da validade ou não do título que fora emitido para os Lotes 13-A-1, Quadra 01, requerido por Yoshiteru Yamashita, no Núcleo Colonial Rio Ferro, com área de 125,00 ha, de 26/12/1969 e para o Lote 13-A-2, Quadra 01, requerido por Hiroaki Yamashita, com área de 125,00 ha, de 20/08/1959, ambos localizados no município de Feliz Natal.

Referidos Lotes não possuem registros nos Livros fundiários desta Autarquia, porém, conforme fora constatado pela área técnica, os referidos lotes foram registrados no Cartório do Segundo Serviço Notarial e Registral de Cuiabá, sob a Transcrição nº 11.582, Livro 3-N, fl.72 e Transcrição nº 10.679, Livro 3-M, fls.205.

Nessas Transcrições consta que fora emitido o título para este lote através da Comissão de Planejamento da Produção (CPP).

Pois bem, os títulos anteriormente emitidos e que se referem atualmente ao imóvel de Matrícula nº 3205 são legítimos ou não ??

Analisemos:

A União ajuizou em 1959 a Ação Cível Originária nº 79 perante o Supremo Tribunal Federal onde alegou a nulidade dos contratos de concessão de terras pelo Estado de Mato Grosso a vinte colonizadoras porque os contratos previam concessão de terras com cem mil a duzentos mil hectares, o que contrariava, em tese, o disposto no art. 156, § 2º da Constituição Federal de 1946. A ação fora julgada improcedente por maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que decidiram pelo principio da segurança jurídica e da proteção à segurança legítima dos adquirentes dos lotes de boa-fé, bem ainda, ao considerar que ao longo dos 53 anos do julgamento dessa ação judicial as colonizadoras construíram cidades, famílias, estabelecimentos comerciais, indústrias e etc., em situação factual explicitamente consolidada.

Com esse julgamento, decidiram então pela validade de todos os contratos realizados entre o Estado de Mato Grosso e as colonizadoras, com a conseqüente validade dos demais atos reflexos, como a aberturas das matriculas e os títulos por elas emitidos.

O presente caso ora analisado neste Processo Administrativo envolve especificamente a análise jurídica da possibilidade de averbação de titulo judicial e a validação perante o acervo fundiário e plotagem na Base Cadastral do Intermat dos títulos emitidos para  YOUSHITERU YAMASHITA (Lote 13-A-1, Quadra 01, com 125,00 há)  e para HIROAKI YAMASHITA (Lote nº 13, A-2, Quadra 01, com 125 há) na GLEBA RIO FERRO,  com base no Decreto Nº 1250, de 15/02/1952, reservado a Empresa Colonizadora Rio Ferro Ltda.

Embora o título originário não conste no acervo fundiário e não esteja plotado na Base Cadastral, eles provêm de uma colonizadora.

Como se verifica dos documentos dos autos - em particular o estudo prévio à folha 170 - a origem do titulo faz parte do contexto das colonizadoras que existiram nas décadas de 1950 a 1970 e que foram viabilizadas pelo plano político do governo de Getúlio Vargas, chamada Marcha para o Oeste, segundo o qual o governo concedia grandes extensões de áreas com cem mil a duzentos mil hectares para colonizadoras, para que estas por sua vez, construíssem estradas, vilas, escolas, hospitais e etc. - o que deu origem a cidades - e com a venda de lotes em áreas menores aos colonos.

Sobre essa política, convém citar a seguinte passagem do Livro História e Geografia de Mato Grosso, de Marcos Amaral Mendes, mencionada por Josiani Aparecida da Cunha Galvão no seguinte sentido:

A política de colonização no Brasil estava baseada em uma ideologia de ocupação dos vazios demográficos que deveriam ser incorporados ao mercado capitalista. O governo utilizou a colonização no Brasil como estratégia para o povoamento e a exploração econômica de “novas terras”, com a finalidade de ocupar espaços que tinham pouca ou quase nenhuma densidade populacional no interior do país. Desconsiderava-se, porém, nos programas de colonização, que nesses espaços vazios morava uma população indígena, como também “garimpeiros, posseiros, além de povos e comunidades tradicionais representados por extrativistas, pescadores, quilombolas e ribeirinhos [...] A colonização no Brasil sempre foi utilizada como estratégia governamental para o povoamento e exploração econômica de novas terras, sob responsabilidade oficial ou privada, que busca encaminhar levas humanas para ocupar espaços com pouca densidade populacional no interior do país [...]”. (MENDES, M. A. A histórica e geografia de Mato Grosso. Cuiabá, Cafarnaum, 2012, apud GALVÃO, Josiani Aparecida da Cunha: Colonização e Cidades em Mato Grosso. XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social. Natal, RN 22 A 26 de julho de 2013).

No mesmo pensar, MORENO e HIGA, apud Galvão:

[...] a colonização se apresenta como alternativa possível de acesso à terra, tanto aos pequenos trabalhadores rurais expropriados, aos quais o acesso é viabilizado por meio dos projetos oficiais, quanto aos médios produtores mais capitalizados, por meio de projetos particulares. Por sua vez, grandes grupos econômicos passam a atuar nas novas áreas como empresários, implantando projetos agropecuários ou de colonização em terras adquiridas a preços baixos, à espera de valorização ou que foram adquiridas aproveitando as facilidades proporcionadas pelas políticas governamentais. (MORENO, G e HIGA, T. C.S. Geografia de Mato Grosso: Território, Sociedade, Ambiente, Cuiabá. apud GALVÃO, Josiani Aparecida da Cunha: Colonização e Cidades em Mato Grosso. XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social. Natal, RN 22 A 26 de julho de 2013).

Ocorre que essa política getulista de concessão de terras com cem mil a duzentos mil hectares para colonizadoras violava, em tese, o art. 156, § 2º da Constituição Federal de 1946, cujo teor dispunha que as alienações de terras acima de dez mil hectares deveriam depender de prévia autorização do Senado Federal, muito embora as vendas diretas aos colonos pelas colonizadoras estivessem abarcadas dentro do limite da norma constitucional.

Nesse viés, a União Federal propôs em 1959, contra o Estado de Mato Grosso e vinte colonizadoras, a Ação Cível Originária n. 79 perante o Supremo Tribunal Federal, pela qual pugnava pela nulidade dos contratos firmados entre o Estado e as colonizadoras por violação ao retro citado dispositivo constitucional.

Como se verifica nos documentos acostados nestes autos, os títulos ora analisados, citados nas Transcrições às folhas 168/169, foram registrados no Cartório do Segundo Oficio de Cuiabá, sendo eles os Lotes 13-A-1, Quadra 01, com 125,00 hectares em nome de YOSHITERU YAMASHITA e o Lote 13-A-2, Quadra 01, com área de 125,00 hectares, em nome de HIROAKI YAMASHITA, ambos na GLEBA RIO FERRO, localizados no município de Feliz Natal.

A Gleba RIO FERRO por sua vez, teve seus títulos emitidos por meio do contrato realizado entre o Estado de Mato Grosso e a Empresa colonizadora Rio Ferro LTDA, que figurou como uma das Rés na Ação Cível Originária nº 79 perante o Supremo Tribunal Federal.

A ação judicial demorou cinqüenta e três anos para ser julgada, o que veio a ocorrer em 2012, com trânsito em julgado 17/06/2013. Os ministros discutiram a inconstitucionalidade dos contratos realizados entre o Estado e as colonizadoras em colisão com a norma constitucional de 1946 versus o princípio da segurança jurídica e a boa-fé, com confiança legitima dos colonos adquirentes dos lotes pelas colonizadoras.

A Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso oficiante na lide e as colonizadoras argumentaram a validade dos contratos, pela diretriz do Decreto Federal nº 7.967/1945, por considerar que os contratos entre ambos não era de alienação, mas sim de locação de serviços e que não havia concessões ou venda entre o Estado e as colonizadoras o que ocorria apenas entre as colonizadoras e os colonos, bem ainda, era respeitado o limite constitucional de venda dos lotes. Por maioria de quatro votos a três, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram pela validade dos contratos realizados entre o Estado/MT e as colonizadoras, com reflexo na validade de todos os títulos por elas emitidos entre eles os títulos ora analisados e consequentemente na validade das matriculas abertas por esses títulos.

Coleciono abaixo a ementa do acórdão do E. Supremo Tribunal Federal em julgamento da Ação Cível Originária nº 79, publicada no DJE de 03/06/2013, ATA n. 80/2013:

EMENTA: ATO ADMINISTRATIVO. Terras públicas estaduais. Concessão de domínio para fins de colonização. Área superiores a dez mil hectares. Falta de autorização prévia do Senado Federal. Ofensa ao art. 156, § 2º, da Constituição Federal de 1946, incidente à data dos negócios jurídicos translativos de domínio. Inconstitucionalidade reconhecida. Nulidade não pronunciada. Atos celebrados há 53 anos. Boa-fé e confiança legítima dos adquirentes de lotes. Colonização que implicou, ao longo do tempo, criação de cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc.. Situação factual consolidada. Impossibilidade jurídica de anulação dos negócios, diante das consequências desastrosas que, do ponto de vista pessoal e socioeconômico, acarretaria. Aplicação dos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, como resultado da ponderação de valores constitucionais. Ação julgada improcedente, perante a singularidade do caso. Votos vencidos. Sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, não podem ser anuladas, meio século depois, por falta de necessária autorização prévia do Legislativo, concessões de domínio de terras públicas, celebradas para fins de colonização, quando esta, sob absoluta boa-fé e convicção de validez dos negócios por parte dos adquirentes e sucessores, se consolidou, ao longo do tempo, com criação de cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc..ACORDÃO: Vistos, relatados e discutidos

Com a improcedência da ação, deu-se julgamento reverso ao pedido no sentido de reconhecer a validade dos contratos realizados pelo Estado de Mato Grosso e as colonizadoras. Em razão do efeito “erga omnes”, o entendimento lógico jurídico aplicável ao caso impõe que são considerados válidos todas as matrículas abertas por esses títulos oriundas das colonizadoras.

Em decorrência disso, os títulos ora analisados que deram origem às Transcrições colacionadas às fls. 168/169, ambas registradas no Cartório de Registro de Imóveis do Segundo Serviço Notarial e Registral de Cuiabá são válidos, e válidas também as matriculas por elas abertas, contexto que abrange o titulo definitivo de YOSHITERU YAMASHITA e HIROAKI YAMASHITA, que deu origem a matricula nº 3.205.

Todavia, referidos títulos não constam no acervo fundiário e tampouco estão plotados na Base Cadastral, o que é necessário conforme apontamento técnico de fls. 170.

Como a decisão do Supremo Tribunal Federal possui efeito vinculativo e com abrangência em todas as esferas e órgãos do direito público e privado, com efeito sobre os órgãos de regularização fundiária - tal como cartórios de registro de imóveis e ao próprio Intermat -, bem como sobre a regularização fundiária em si mesma e aos envolvidos nos processos de titulação realizados pelas colonizadoras e demais atos conexos, o melhor entendimento de aplicar aos efeitos da decisão da Ação Cível Originária nº 79 é considerá-la como decisão válida para fins de averbação de títulos judiciais, o que não só alude ao principio da eficiência do serviço público previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, o que também evita a judicialização de demanda, em busca de ordem judicial para averbar no acervo e base cadastral fundiária do Intermat um título que já foi reconhecido como válido por efeito reflexivo de decisão do STF.

A averbação de títulos judiciais na Base Cadastral do Instituto de Terras do Estado de Mato Grosso (Intermat) está atualmente prevista no Decreto n. 1.469, de 14 de dezembro de 2012, cujo teor assegura:

Art. 1º. Poderão ser averbados na Base Cadastral do Instituto de Terras de Mato Grosso - INTERMAT os títulos judiciais previstos no inciso I, do art. 167, da Lei 6.015/1973, a fim de serem legitimadas as suas origens.

Art. 2º. O pedido de averbação deverá ser instruído os seguintes documentos originais ou autenticados:

I - cópia da decisão judicial acompanhada da certidão de trânsito em julgado;

II - Certidão da Matrícula do Cartório de Registro de Imóveis;

III - Peças Técnicas nos moldes previstos na Lei n. 10.267/2001, bem como, ser (sic) o caso, devidamente certificada pelo INCRA.

Art. 3º. Autuado o processo, será o mesmo encaminhado à Procuradoria Jurídica do Intermat para parecer prévio, estudo cadastral junto à GECAD e parecer conclusivo quanto aos limites da averbação.

Art. 4º. Para efeito de conhecimento de terceiros interessados, será publicado edital com prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 5º. Não havendo impugnação fundamentada, o processo será remetido à Presidência para efeito de homologação que, em sendo deferida, será encaminhado para averbação em livro próprio junto à  COGEPAF e inclusão na Base Cadastral.

Ao presente caso e a outros conexos, a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Cível Originária nº 79, em razão de seu efeito vinculativo e “erga omnes” ao reconhecer reflexamente a validade dos títulos (e ações conexas) emitidos pelo Supremo Tribunal Federal consubstancia-se em documento hábil para constituir decisão judicial de averbação de título no acervo e Base Cadastral do Intermat, em subsunção ao requisito do inciso I, do art. 2º, do Decreto Estadual n. 1.469/2012.

A decisão, embora não seja uma especifica ordem judicial de averbação de título judicial no Intermat, foi emanada pelo órgão superior do Poder Judiciário nacional, um dos poderes da república.

O INTERMAT, como órgão da administração pública estadual está vinculado ao principio da eficiência previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal. Referido princípio é norteador da administração pública direta e indireta e que lhe impõe seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social (Celso Antonio Bandeira de Melo, 2002). O principio da eficiência se impõe ao presente caso de modo a facilitar a vida do cidadão ao reconhecer o direito de ter seu titulo reconhecido perante o acervo fundiário e base cadastral do Intermat.

Por outro lado, os detentores dos títulos definitivos expedidos pelas colonizadoras adquiriram direito adquirido quanto ao lote objeto de compra pelas respectivas colonizadoras quanto a validade dos mesmos e seus efeitos registrais. O ato jurídico perfeito está previsto no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Nesse sentido, prescreve o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil:  “A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” No seu parágrafo 1º desse mesmo instrumento normativo federal está disposto que: “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.” Portanto, pode ser entendido como se referindo aos elementos necessários à existência do ato, e não às execução ou aos seus efeitos materiais.

De acordo com Maria Helena Diniz:

“O ato jurídico perfeito é um instituto que foi concebido pelo constituinte, sob o aspecto formal. É aquele ato que nasce e se forma sob a égide de uma determinada lei, tendo todos os requisitos necessários exigidos pela norma vigente. Protege-se indiretamente o direito adquirido, pois não se pode alegar a invalidade do ato jurídico se advier lei nova mais rigorosa alterando dispositivos que se referem à forma do ato. O ato jurídico perfeito, em outras palavras, consagra o princípio da segurança jurídica justamente para preservar as situações devidamente constituídas na vigência da lei anterior, porque a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro, como regra [...] o ato assim nascido se incorpora ao patrimônio jurídico de quem dele se beneficia, adquirindo o beneficiário, um direito definitivo. Assim é o ato jurídico perfeito.”. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Teoria Geral do Direito Civil. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1.).

III - Conclusão

Diante do exposto, em vista ao efeito vinculante e “erga omnes” da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Cível Originária nº 79, que julgou pela validade dos contratos realizados entre o Estado de Mato Grosso e as colonizadoras na década de 1950, reflexamente pela validade dos atos conexos a regularização fundiária, tal como a abertura de matriculas, os títulos definitivos expedidos pelas colonizadoras, e em particular nestes autos os títulos expedidos em favor de YOSHITERU YAMASHITA e HIROAKI YAMASHITA, que, somado ao teor do retro citado art. 3º do Decreto 1663/1953, constituem-se em ato jurídico perfeito para fins de averbação perante o acervo fundiário e base cadastral do Intermat, em alusão ao princípio da eficiência da administração pública, concluo e opino no seguinte sentido:

1.   Por reconhecer e considerar como válido OS TÍTULOS EXPEDIDOS EM FAVOR de YOSHITERU YAMASHITA e HIROAKI YAMASHITA;

2.   PELA AVERBAÇÃO E PLOTAGEM DESSES TÍTULOS NA BASE CADASTRAL DESTE INSTITUTO DE TERRAS DO ESTADO DE MATO GROSSO;

São essas as considerações que submeto à apreciação superior para, salvo melhor juízo, análise e deliberação.

É o parecer. SMJ.

LAERTE JACIEL SCALCO ACENDINO

Procurador(a) do Estado

UNIDADE SETORIAL DA PGE

JOSE ROBLES VARGAS OLIVAREZ RODRIGUES

ANALISTA FUNDIARIO E AGRARIO L 10042

UNIDADE SETORIAL DA PGE