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Processo: 1022728-72.2024.8.11.0041. REQUERENTE: JOAO BERTAGLI DE LIMA REPRESENTANTE: ANA CAROLINA AVILA DE LIMA REQUERIDO: MARIA DA COSTA BARROS, PAULO HENRIQUE DA SILVA, MARCILIO FERREIRA DE MATTOS, LUCIMARA ALVES DOS SANTOS FRANCA, ADIMILSON VASCONCELOS DA CUNHA, KLEBER AMARO, BENEDITO NUNES MAGALHAES REPRESENTANTE: MARCIA FERREIRA DE MATOS DA SILVA Vistos Trata-se de ação de ajuizada por João Bertagli de Lima, representado por sua filha Ana Carolina Avila de Lima contra Maria da Costa Barros, Marcia Ferreira de Matos Da Silva, Paulo Henrique da Silva, Marcílio Ferreira de Matos, Lucimara Alves dos Santos França, Adimilson Vasconcelos da Cunha, Benedito Nunes Magalhaes, Kleber Amaro e outros, visando a proteção possessória do imóvel rural denominado Fazenda Coroado, com área de 965 hectares, localizada no município de Santo Antônio de Leverger/MT. Alegou exercer a posse da Fazenda Coroado desde 12/06/1995, possuindo infraestrutura como água, luz, internet, entre outros, e que somada à posse de seus antecessores, conta como 66 anos de exercício manso e pacífico, onde explorou atividades agrícolas e pecuárias. Promoveu um loteamento para agricultura familiar há cerca de 8 anos no imóvel, envolvendo mais de 60 famílias, mas em 2023, foi surpreendido por uma ação de reintegração de posse promovida por “Dona Márcia em nome de sua mãe, Dona Maria”. A aludida ação, baseada em documentos precários, “foi vista como fraudulenta”, conseguindo comprovar que exercia a posse pacífica de longa data e a existência de diversas benfeitorias na fazenda. No início da mencionada ação foi concedido o pedido liminar em favor da Dona Maria, que foi “derrubada” em razão de Agravo de Instrumento, conseguindo comprovar que “a posse da fazenda sempre foi sua desde 1995, com diversas estruturas construídas ao longo dos anos”. Naquela oportunidade o Tribunal de Justiça cassou a decisão por entender necessária a realização da audiência de justificação prévia, contudo, a ré decidiu “desistir da ação de reintegração de posse quanto à Fazenda Coroado”. Ao final, pretende, além da concessão da assistência judiciária gratuita, a concessão da medida liminar, a fim de que seja preservada sua posse. Instruiu a inicial com os documentos do id. 157464930 ao id. 157468927 e, ainda, atribuiu à causa a importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Instado, o d. Promotor de Justiça encartou parecer no id. 160942218 opinando pelo “deferimento de medida liminar, com a concessão do interdito proibitório”. Decido Cinge-se o litígio sobre a proteção possessória de imóvel rural cuja a alegação é de exercício da posse há mais de 66 (sessenta e seis) anos, com a exploração da agricultura e pecuária e que, recentemente, foi implantado um loteamento de agricultura familiar, mas que desde 2023 passou a ser alvo de tentativas de invasão, tendo sido, inclusive, objeto de uma ação possessória anterior. Da retificação do valor da causa Do cotejo da petição inicial, tendo por objeto o imóvel rural descrito como Fazenda Coroado, possuindo área de 965 hectares, conforme a matricula n. 51.342, depreende-se que foi atribuído à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).À vista disso, fica evidente a incorreção do valor da causa, atribuído na quantia de R$200.000,00 (duzentos mil reais), haja vista não corresponder ao proveito econômico perseguido pela parte autora. Com efeito, para a correta atribuição do valor da causa, a Lei Processual, em seu artigo 292, estabeleceu critérios específicos para o cálculo do valor da causa, a seguir transcritos: “Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: (...) § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes”. Nesse sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - ALTERAÇÃO DO VALOR DA CAUSA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO - POSSIBILIDADE, DESDE QUE CORRESPONDENTE AO PROVEITO ECONÔMICO VINDICADO - VALOR MÉDIO DO HECTARE CONFORME TABELA DO INCRA - PRECEDENTES - DECISÃO REFORMADA EM PARTE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Nas ações possessórias o valor da causa deve corresponder ao proveito econômico pretendido, com base no valor médio do hectare de acordo com a Tabela Referencial de Preços do INCRA. (N.U 1012798- 27.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/03/2023, Publicado no DJE 28/03/2023)”. Inexistindo a indicação precisa do seu proveito econômico, deve-se valer do método utilizado em demandas possessórias para apuração do valor da área, com base na tabela do INCRA que, neste caso, estabelece que o valor mínimo do hectare na região é de R$ 2.153,00 (dois mil cento e cinquenta e três reais)[1] que multiplicado pelos 965 hectares que compõe a área objeto do litígio, constitui a cifra total de R$ 2.077.645,00. Portanto, considerando o valor da terra nua atribuído pelo INCRA, o proveito econômico pretendido pela parte autora é de R$ 2.077.645,00 (dois milhões, setenta e sete mil e seiscentos e quarenta e cinco reais), que, desde já, FIXO como valor da causa. Do pedido liminar. Pois bem, para análise do pedido liminar nas ações possessórias, o ordenamento jurídico estabeleceu requisitos que devem ser observados por aquele que a pretende vindicar, passando à demonstração do seu exercício ao tempo da sua turbação ou esbulho, data da turbação ou do esbulho e a continuação da posse, embora turbada ou a perda da posse, na ação de reintegração (art. 561, do CPC). Nos institutos possessórios, não se fala em posse decorrente do direito de propriedade, pois o domínio não é objeto da ação, mas sim, de posse fática. Nesse sentido, os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, prelecionam que: “(...) A posse será tutelada como uma situação de fato capaz de satisfazer a necessidade fundamental de moradia e fruição da coisa. O possuidor merece amparo por ser aquele que retira as utilidades do bem e lhe defere destinação econômica, sem que haja qualquer conexão com a situação jurídica de ser ou não o titular da propriedade. A proteção a esta situação se efetivará, seja ou não o possuidor o portador do título ou mesmo que se coloque em situação de oposição ao proprietário. (...) A ordem jurídica acautela o possuidor como forma de preservação de seu elementar direito ao desenvolvimento dos atributos de sua personalidade, pois o uso e fruição de bens têm em vista a satisfação das necessidades essenciais e acesso aos bens mínimos pela pessoa ou entidade familiar. Qualquer demanda possessória deve girar em torno de uma agressão material a uma relação possessória preexistente, sem qualquer vinculação com relações jurídica que confiram eventual titularidade. (...)”[2]. (nosso grifo) Aliás, o parágrafo segundo do art. 1.210 do CC, é expresso ao dispor: “§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”. Dito isto, a posse a ser protegida pelos interditos possessórios é a posse que descende de continuidade, que foi obtida forma lícita, ausente de qualquer ato de violência/clandestinidade, onde o efetivo exercício não foi oriundo de turbação, esbulho possessório ou qualquer outro ato ilícito, sendo exercida de forma posse mansa/pacífica/tranquila. E o rito especial é cabível apenas contra a posse nova, ou seja, com menos de ano e dia. No caso específico do interdito proibitório, exige-se, também, a comprovação do justo receio da ameaça, conforme preceitua o art. 567, do CPC, que dispõe: “Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito. Com relação ao exercício da posse, o art. 1.196 do Código Civil dispõe que é “possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Por sua vez, o art. 1.228 do mesmo diploma legal estabelece que o proprietário é aquele que tem “(...)a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. No processo em análise, o exercício da posse justa e de boa-fé, além da contemporaneidade, para análise do pedido liminar, foi demonstrado de maneira satisfatória pela parte autora, pelos menos para concessão do pleito liminar, conforme passo a esclarecer. Inicialmente, denoto da matrícula n. 51.342, do CRI de Santo Antônio de Leverger/MT, que o imóvel foi havido pelo autor de forma onerosa de maneira que sua ocupação sobre a área deve ser observada em decorrência do justo título que possui (id. 157464936). A legitimidade de origem do imóvel, ainda, foi reconhecida pelo INTERMAT, conforme se verifica da certidão encartada no id. 157466543, emitida em 11/09/2012, com a finalidade de instruir o processo de licenciamento ambiental da área. Em relação ao exercício da posse, resta comprovado por meio das guias de trânsito animal - GTA e das notas fiscais emitidas entre os anos de 2012 a 2014, que o autor explorou a atividade pecuária no imóvel, conforme os documentos encartados do id. 157467391 ao id. 157467401. É de se observar, também, que o imóvel do autor goza de ampla documentação no que atine à sua regularidade, seja pelo reconhecimento de seus limites e divisas, conforme se comprova pelo memorial descritivo encartado no id. 157466562, bem como pela informação técnica emitida pela Fundação Nacional do Índio juntado no id. 157466556. Somam-se aos documentos mencionados as certidões de regularidade fiscal do imóvel, como a emitida pela Sefaz id. 157466541 e o certificado de cadastro de imóvel rural do INCRA, no id. 157466558. Ainda, o autor comprova preocupação na regularização ambiental do imóvel por meio do ato declaratório ambiental emitido pelo IBAMA em 2021 (id. 157466564) e pelo cadastro ambiental rural emitido pela SEMA em 2010, juntado no id. 157466568. Não bastassem tais documentos, infere-se dos autos, também, que a associação formada para a exploração da área por pequenos agricultores foi feita de forma regular pelo autor conforme os diversos documentos que apresentou na inicial e colaciono a seguir: i) Licenciamento Ambiental do Loteamento Rural (id. 157466572, reconhecido pela SEMA na Portaria n. 1.293/2021 (id. 157466582); ii) Fiscalização da concessionária de energia elétrica para ligação de rede elétrica na região para atender os usuários (id. 157466588); iii) Ata de constituição e fundação da Associação dos Proprietários do Loteamento Coroado, datada de 14/03/2021, com sede no imóvel e suas respectivas inscrições e documentos, contando com 131 (cento e trinta e um) associados, conformes juntado do id. 157467402 ao id. 157467418. Superada a comprovação da origem e o exercício da posse, passo à análise do justo receio e, neste aspecto, verifico que em 26/04/2024 o autor levou ao conhecimento da autoridade policial que os réus teriam “desmanchado parte da divisa da propriedade” com o intuito de adentrarem ilicitamente no imóvel” (id. 157467434). As ações ilícitas denunciadas pelo autor naquela oportunidade estão fartamente demonstradas nas fotografias encartadas no id. 157467426 e id. 157467435, onde estão juntados vídeos, fotografias e prints de conversas extraídas do aplicativo whatsapp os atos de ameaças detalhados na petição inicial que, sem sombra de dúvidas, comprovam a intenção dos réus em ingressaram no imóvel. Isto posto, em sendo as provas produzidas em cognição sumária, em juízo não exauriente, capazes de demonstrar os requisitos exigidos pelo art. 561 do CPC, acolho o parecer ministerial, e defiro o pedido liminar formulado por João Bertagli de Lima, representado por sua filha Ana Carolina Avila de Lima, contra Maria da Costa Barros, Marcia Ferreira de Matos Da Silva, Paulo Henrique da Silva, Marcílio Ferreira de Matos, Lucimara Alves dos Santos França, Adimilson Vasconcelos da Cunha, Benedito Nunes Magalhaes, Kleber Amaro e outros, a fim de proteger a posse do imóvel rural denominado Fazenda Coroado, com área de 965 hectares, localizada no município de Santo Antônio de Leverger/MT, cumprindo-se as seguintes determinações: 1. Expeça-se o mandado proibitório; 2. Desde já, fixo multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) por pessoa, no caso de descumprimento desta decisão; 3. Citem-se os réus encontrados no imóvel, para, querendo, apresentarem defesa, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 564 do Código de Processo Civil, intimando-os da presente decisão, ressaltando que o prazo para defesa se inicia com a intimação; 4. Expeça-se edital de citação e intimação dos réus incertos, ausentes e desconhecidos, nos termos do art. 554, §1°, do CPC, com prazo de 20 (vinte) dias, desde já, nomeio a Defensoria Pública para a sua defesa; 6. Decorrido o prazo para a defesa, certifique o necessário e abra-se vista à parte autora para manifestação; 7. Dou ciência ao Ministério Público e à Defensoria Pública, posto que, por se tratar de processo com polo passivo coletivo, geralmente envolve pessoas economicamente hipossuficientes, também nos moldes do art. 554, § 1°, do CPC. 8. Intimo a autora desta decisão e para que tome providência para dar ampla publicidade da presente ação e seus prazos, valendo-se, para tanto, jornais e rádios locais, cartazes espalhados na região do conflito e outros meios que entender atingir esse objetivo, conforme determina o art. 554, §3°, do CPC. 9. Conste ainda no mandado que, caso o oficial de justiça tenha dificuldades para o cumprimento da diligência para encontrar o local, deverá entrar em contato com o advogado da parte autora, nos termos do artigo 56 da CGNC, ficando também autorizado a escolta policial, caso se faça necessária, desde que devidamente certificado quanto à sua necessidade. 10. Oficie-se ao INCRA e INTERMAT para, querendo, em 15 dias, manifestarem interesse na lide. 11. Defiro a assistência judiciária gratuita pretendida pelo autor, uma vez que nos termos do §3º do art. 99, do CPC, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. Cumpra-se, com urgência. Cuiabá/MT, data registrada no sistema. Ana Paula da Veiga Carlota Miranda Juíza de Direito em substituição legal